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Sérgio Burgi, com Evandro Teixeira homenageado no 19º Paraty em Foco 2022 ©Meca

SÉRGIO BURGI COM
EVANDRO TEIXEIRA
PARATY EM FOCO 2022
QUANDO FOI HOMENAGEADO.

Neste ano de 2024, quando comemoramos os vinte anos de realização anual e continuada do Festival Paraty em Foco, é importante uma reflexão sobre o papel dos festivais, tanto no Brasil como internacionalmente, no desenvolvimento e consolidação do campo da fotografia, - linguagem de criação, documentação e comunicação, hoje universal e contemporânea, que cresce e se desenvolve ininterruptamente desde sua introdução há exatamente duzentos anos.

 

Cabe lembrar aqui dois eventos específicos ocorridos exatamente em 1824, que nos conectam com os primeiros momentos da fotografia: por um lado o registro documentado da realização da primeira imagem fotográfica em câmera por Joseph Nicéphore Niépce (1765 – 1833) na França, e por outro, a chegada no Rio de Janeiro de Antoine Romuald Hercule Florence (1804 – 1879), que menos de dez anos depois, em 1833, inventaria a fotografia de forma isolada e independente no Brasil, na Vila de São Carlos, atual Campinas e seria também, já naquele ano, o primeiro a utilizar a palavra photographie em todo o mundo.

A descoberta isolada da fotografia no Brasil por Hercule Florence, jovem artista e pesquisador de origem franco-monegasca, nascido em Nice, é seminal para o entendimento dos aspectos mais importantes da fotografia e de sua influência na cultura contemporânea. Representa um importante marco na história da fotografia mundial, por comprovar que as informações essenciais para o desenvolvimento deste novo campo de representação e expressão dentro das artes visuais, oriundas de pesquisas realizadas na Europa nos séculos XVII e XVIII, já haviam percorrido o mundo no início do século XIX.

E será exatamente este processo de itinerância e circulação do conhecimento que marcará e caracterizará o meio da fotografia ao longo destas mais de vinte décadas de produção de imagens por aparato sobre suportes fotossenssíveis, produzindo uma verdadeira revolução na cultura e nas artes visuais desde a sua origem, com reflexos que se estendem claramente até os dias de hoje.

 

Já no século XX, também no Brasil, Vilém Flusser (1920 — 1991), filósofo tcheco naturalizado brasileiro, chegou ao país em 1941 durante a Segunda Guerra, fugindo do nazismo e estabelecendo-se em São Paulo, onde atuou por cerca de 20 anos como professor de filosofiajornalistaconferencista e escritor. Deixou o Brasil em 1972, passando a morar na França e posteriormente na Alemanha. Em 1983, a partir de escritos anteriores e reflexões produzidas ainda em seu período de atividade no Brasil, publicou o livro Für eine Philosophie der Fotografie, traduzido para o inglês em 1984 e para o português em 1985 - A filosofia da caixa preta – Ensaios para uma futura filosofia da fotografia -, e posteriormente para mais de vinte outros idiomas. Escrevendo sobre a fotografia nas décadas de 1970 e 80, e também em face do impacto em todo o mundo das novas tecnologias no campo da informática, Flusser argumentou que a fotografia constitui a primeira de uma série de formas diversas de imagens técnicas que mudariam fundamentalmente a maneira pela qual o mundo é visto e representado: "A invenção da fotografia constitui uma ruptura na história que só pode ser entendida em comparação com outra ruptura histórica, como aquela constituída pela invenção da escrita linear".

Sobre esse novo momento da construção do pensamento e da cultura, Flusser escreveu na introdução de seu livro O universo das imagens técnicas:

Este ensaio é sobre o universo das imagens técnicas, o universo que, nas últimas décadas, tem feito uso de fotografias, filmes, vídeos, telas de televisão e terminais de computador para assumir a tarefa anteriormente desempenhada por textos lineares, ou seja, a tarefa de transmitir informações cruciais para a sociedade e para os indivíduos. Ele está preocupado com uma revolução cultural, cujo alcance e implicações estamos apenas começando a suspeitar. Considerando que os seres humanos dependem para suas vidas e sobrevivência mais do conhecimento adquirido e menos de informações propriamente genéticas como em outros seres vivos, a estrutura através da qual a informação é transmitida exerce uma influência decisiva sobre as nossas vidas. Quando as imagens suplantam textos, experimentamos, percebemos e valorizamos o mundo e nós mesmos de forma diferente, não mais em um processo linear, uma forma histórica unidimensional predominantemente orientada para o processo, mas sim de uma forma bidimensional, com superfície, contexto, cena. E o nosso comportamento muda: ele não é mais dramático, mas embutido em campos de relacionamentos. O que está acontecendo atualmente é uma mutação de nossas experiências, percepções, valores e modos de comportamento, uma mutação do nosso estar no mundo.

A invenção da fotografia, ao lado de outras invenções e avanços no campo tecnológico e científico, pode ser considerada, portanto, um momento inaugural, a partir da primeira metade do século XIX, de uma revolução permanente no campo do conhecimento, das artes visuais, da ciência e da cultura, ainda hoje em curso e em desenvolvimento, sendo Florence um de seus importantes precursores e pioneiros e Flusser um de seus mais destacados pensadores críticos e filósofos, ambos a merecerem ainda maiores estudos e difusão de seus trabalhos referenciais produzidos no Brasil.

Não há dúvida, portanto, que o papel dos festivais de fotografia no Brasil e no mundo tem sido e continua a ser o de alavancar esta consciência crítica em torno do meio da fotografia através do convívio, troca e exposição entre as fotógrafas e os fotógrafos-autores e artistas de seus trabalhos, investigações e processos criativos, interagindo com produtores, críticos, pensadores, curadores e o público em geral num processo que somente a estrutura dos festivais pode propiciar, de encontros presenciais capazes de amalgamar e consolidar conhecimentos e linguagens surgidas na intersecção e interação  entre o fazer e o pensar.

Vivas, portanto, aos vinte anos do Festival Paraty em Foco e a todos os festivais no Brasil e no mundo, expressões maiores da potência do fazer fotográfico transformador, cada vez mais universal e acessível a todos!                                                                                                

Sergio Burgi

Coordenador de Fotografia

Instituto Moreira Salles

Amigos da Fotografia, escolher as fotos que ilustram este belíssimo texto do Sergio Burgi não foi uma tarefa fácil, pois todos que aqui estiveram, e foram muitos, nos deixaram boas lembranças e grandes lições, que nos ajudaram a evoluir em nossa Fotografia. Agradecemos a todos que ajudaram a fazer do Paraty em Foco UM EVENTO PARA TODOS OS OLHARES.

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