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BATE-PAPO PEF 2024 Por André Teixeira

BATE-PAPO COM SÉRGIO BRANCO

Diretor de redação da revista Fotografe Melhor, Sérgio Branco é um dos mais assíduos convidados do Paraty em Foco, que acompanha desde sua criação. Com vasta experiência nas áreas de jornalismo e editorial - em 2011, ao lado do fotógrafo Luiz Claudio Marigo, recebeu o Prêmio Jabuti na categoria Melhor Livro de Fotografia pela obra “Fotografia de Natureza – Teoria e Prática” -, foi o criador e presidente da comissão julgadora dos concursos nacionais de fotografia Leica-Fotografe e Universitário de Fotografia. Com a bagagem de quem participou, tanto na platéia como no palco, de praticamente todas as edições do festival, Branco fala sobre sua expectiva para esta 20ª. edição na entrevista a seguir.

 

Quando e como começou sua participação no Paraty em Foco?

   Como editor da revista Fotografe, minha participação começou em 2006, na segunda edição do evento. Especificamente nessa edição, não consegui ir pessoalmente ao evento e escalei um repórter para a cobertura. Presencialmente, minha estreia se deu em 2007. Mas cabe lembrar que o projeto do festival internacional do Paraty em Foco, que se mantém até hoje, nasceu em 2006 nas dependências da Editora Europa, que publica Fotografe, em uma reunião em que estive ao lado de Giancarlo Mecarelli, Luiz Marinho e Roberto Araújo, diretor editorial da Editora Europa. Marinho, então representante da Leica no Brasil, levou Mecarelli até nós para apresentar o projeto, pedindo o apoio da revista. Ao conhecermos as ideias, aceitamos de pronto a dar nosso apoio, o que persiste até hoje. Marinho logo depois convidou Iatã Cannabrava e Marcelo Greco para coordenar o evento. Como curiosidade, lembro que em 2006 as atrações internacionais foram a equatoriana Lucía Chiriboga e o argentino Marcelo Brodsky, apesar da participação muito especial do brasileiro Otto Supakoff, que fez uma carreira de sucesso nos Estados Unidos.

Quais foram os momentos mais emblemáticos do festival ao longo desses anos?

    Houve muitos momentos, mas acho que as edições de 2007 e 2008, quando Luiz Marinho usou seus contatos no exterior para trazer grandes fotógrafos da Magnum, foram muito especiais. Colocaram o festival no mapa da fotografia internacional. Em 2007, por exemplo, o Paraty em Foco contou com a participação de David Allan Harvey, Thomas Hoepker e Christopher Anderson. Em 2008, com Bruce Gilden, Ralph Gibson e Alex Majoli. Essa edição do festival, a de 2008, também foi marcante para Fotografe, pois passamos a ter a nossa própria palestra no evento. E escolhemos destacar o fotojornalismo brasileiro, que estava um tanto esquecido na programação. Começamos com uma inovação ao exibir um longa-metragem documental para o público: “Abaixando a Máquina – Ética e Dor no Fotojornalismo”, de Guillermo Planel e Renato de Paula. Terminado o filme, houve um debate com quatro fotojornalistas que nele se destacavam: Domingos Peixoto, Wania Corredo, Wilton Jr. e Severino Silva. Acho que foi o evento mais arrebatador de Fotografe para o público até hoje. Durou duas horas e meia, e só parou porque era necessário fechar a Casa da Cultura. No ano seguinte, em 2009, reunimos o saudoso Orlando Brito, então já um nome consagrado, e Lula Marques, um repórter fotográfico em ascensão na época, para falar de cobertura de política em Brasília. Para a edição deste ano, a ideia é ter Gabriela Biló falando sobre o mesmo tema, mas mostrando como a forma de cobrir Brasília mudou, já que hoje há uma grande demanda nas redes sociais.

Muito marcante ainda foi a morte do editor americano Jay Colton durante o festival, em 2010. Ele teve um infarto fazendo uma leitura de portfólio no sábado, ao meio-dia, foi socorrido, mas não resistiu. Jay era muito fera na fotografia, um cara muito bacana, ex-editor de fotografia da revista Time e das agências Gamma e Sygma. Foi professor no ICP de Nova York e nas Universidades de Rochester e Vermont e tinha três prêmios da National Press Photographers Association dos Estados Unidos. Ele já tinha participado em 2008. Acho que o festival tinha que ter sido encerrado naquele sábado por respeito a ele, mas o evento prosseguiu.

Lembra de alguma exposição ou palestra em especial?

    Também são muitas as exposições e palestras especiais. Mas a apresentação de Ralph Gibson, em 2008, fazendo um solo de guitarra no palco da Casa da Cultura de Paraty enquanto suas fotos eram exibidas no telão, é inesquecível. Quem estava lá vai guardar sempre na memória. Na minha opinião, foi o momento mais inusitado de todas as edições do festival. Para mim também foi muito marcante a palestra de Pedro Martinelli, em 2009, uma das mais densas, engraçadas e instigantes das que vi ao longo desses anos. Quanto às exposições, foram muitas as memoráveis, não daria para citar uma. Prefiro ressaltar que as mostras dos premiados do concurso Portfólio em Foco passaram a ser um elo entre o festival e dezenas de fotógrafos que buscam ser reconhecidos, uma ação muito importante para dar espaço aos novos artistas, a quem não é famoso, mas tem o que mostrar ao público. Essa é uma das missões de um evento como este.

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O perfil do público mudou ao longo desses anos?

    Acho a mudança do perfil de público do festival tem muito a ver com a mudança da própria fotografia ao longo dos anos. É fato que os mais jovens têm se afastado da fotografia de uma forma geral, mesmo praticando muita fotografia no cotidiano. Câmeras deram lugar a smartphones, as imagens estão por aí suspensas em nuvens e não mais impressas, e, de repente, você lê que uma parcela da geração Z e da atual geração Alpha está curtindo as antigas câmeras digitais, as chamadas “saboneteiras”. Tem outra parcela de jovens que quer descobrir a fotografia analógica, ampliar uma foto em um laboratório P&B e por aí vai. São nichos, claro, pouco representativos quando se pensa em consumo de massa. Então, o festival hoje é um evento de nicho e tem um público ligado a esse nicho, que é menor, claro, que nos anos de ouro do evento. O Paraty em Foco viveu seu auge entre 2007 e 2012, na minha opinião, quando a própria situação econômica do Brasil era outra, com o dólar em uma cotação acessível para comprar equipamento e com grandes empresas do setor, como Canon, Nikon e Sony, que tinham fábrica de câmeras no Brasil, investindo na divulgação da fotografia e apoiando financeiramente eventos como festivais de fotografia.      

Ano passado, o PEF promoveu exposições e entrevistas sobre a Inteligência Artificial, um assunto que continua em evidência pelo seu impacto em todas as áreas. Nesta edição dos 20 anos, você vê algum tema que mereça um destaque especial?

    Acredito que no evento de 2024 o destaque deveria ser celebrar a fotografia, esquecer um pouco as novidades tecnológicas. Continuemos tendo IA nas nossas vidas daqui para frente, numa evolução constante e irrefreável. No Paraty em Foco, são 20 anos de história e acho que isso pode e deve ser revisitado. Pelo que sei, o Giancarlo Mecarelli convidará todos os personagens importantes na história da organização do evento, como Luiz Marinho, Iatã Cannabrava, Marcelo Greco, Juan Esteves, Érico Elias e outros. Se todos forem, será um momento histórico para a fotografia brasileira. 

Aproveitando o embalo, muitos fotógrafos consideram a Inteligência Artificial uma ameaça à sobrevivência da fotografia como uma atividade profissional. Você concorda com isso?

    Em alguns setores, acredito que sim, e isso não ocorrerá apenas como a fotografia, muitos segmentos serão atingidos. É difícil prever o que realmente acontecerá, mas é certo que haverá uma grande mudança de mercado. A questão a ser resolvida não é como sobreviver como fotógrafo diante do avanço da IA, mas sim como tirar proveito da IA para continuar sendo um fotógrafo profissional. É usar o limão para fazer uma limonada, pois não há como retroceder. Quando a era digital se impôs, enterrando a era do filme, não foi o fim do mundo. A era digital tornou a fotografia muito mais acessível e acabou com certas reservas de mercado. Foi ruim para alguns e ótimo para muitos. Acho que a IA vai no mesmo rumo, mas de uma forma muito menos previsível do que quando a era digital chegou..

Nos últimos 20 anos, a fotografia se popularizou, primeiro com as câmeras digitais compactas e depois com os celulares. Que efeitos, positivos e/ou negativos, você vê neste processo? A qualidade acompanhou a quantidade?

  Tenho certeza de que havia muito menos qualidade na época do filme do que agora. Os saudosistas podem dizer que “na minha época, eu saía com um filme de 36 poses e tinha que me virar com isso para fotografar”. Sim, sair com um filme de 36 poses leva muito mais à reflexão sobre como fotografar do que ter milhares de disparos à disposição. Mas falo por mim, de um filme de 36 poses eu salvava poucas fotos realmente boas. E acredito que assim era com todo mundo. Eu nunca vi um contato P&B do Sebastião Salgado, mas um fotógrafo amigo meu (que não revelarei a identidade) já viu alguns e disse que ele aproveitaria poucas. Quando trabalhei como repórter na Folha de S.Paulo, nos anos 1980, cheguei a ver contatos de grandes fotógrafos que me acompanham em uma reportagem e o aproveitamento era baixo, algo como cinco ou seis boas de 36 poses, às vezes, uma ou duas ótimas. Mas era o necessário. Ou seja, fotografar na era do filme era muito mais difícil, não há dúvida, e temos que celebrar com ênfase as grandes imagens feitas em película, principalmente as de fotojornalismo, que não tinham nenhum retoque. Mas a era digital nos deu a vantagem de errar e acertar muito mais vezes, de corrigir rapidamente uma exposição, de ajustar o ISO adequado. Dá para imaginar um fotógrafo dos anos 1990 saindo com um filme de ISO 3.200? Com o digital, você faz foto com ISO 12.400 e está maravilhoso. Acredito que a qualidade aumentou muito em relação à era analógica e hoje há muito mais gente fazendo boas fotos do que no final dos anos 1990, quando já havia autofoco e exposição automática bastante confiáveis.

Como diretor de redação da Fotografe, você vem acompanhando há anos a produção fotográfica mundial, em todos os estilos. Houve uma evolução em termos de técnica, criatividade, abrangência dos temas, enfim, como você avalia essa caminhada, em geral?

    A era digital, como disse anteriormente, foi fundamental para popularizar e democratizar a fotografia. O ato de fotografar em si não mudou tanto, mas os recursos para produzir uma imagem são muitos maiores a cada ano. Acredito que hoje não há tanto conhecimento técnico como na época do filme, já que naquele momento era vital dominar a técnica para ter uma evolução, mais ou menos na linha “decifra-me ou te devoro”. Ou seja, para ser um profissional de sucesso, saber como usar a técnica era fundamental. Hoje não há tanta necessidade assim, já que uma luz não tão boa pode ser corrigida em programas de edição, que ficaram cada vez mais fáceis de operar. Mas vejo os fotógrafos hoje mais criativos, mais ousados, justamente pelo fato de contarem com recursos que não existiam na era do filme. Quantas pessoas praticavam astrofotografia na era do filme? Atualmente, há muito mais gente, pois a tecnologia tornou esse segmento bem mais acessível. Qualquer tema pode ser explorado com mais profundidade também em razão dos recursos que uma câmera e uma lente atuais oferecem. Hoje, se um avião cai na sua frente, é possível sacar o smartphone e registrar a cena, além de filmar. Nunca o mundo produziu tanta imagem, estática ou em movimento, como nas últimas décadas. Há muito imagem clichê, muita porcaria, mas existe muita coisa legal e em maior quantidade do que existia 20 anos atrás.     .

Qual a importância de um festival como o Paraty em Foco na formação de novos fotógrafos ou mesmo de um público consumidor de fotografia no Brasil? O que você espera desta 20ª. edição?

   O Paraty em Foco, criado pelo irrequieto agitador cultural Giancarlo Mecarelli, foi uma revolução na fotografia brasileira pela capacidade de reunir, num só lugar, em um espaço relativamente pequeno, grandes fotógrafos nacionais e internacionais que tinham contato direto com o público, geralmente fotógrafos entusiastas ou jovens profissionais, que buscavam conhecimento e inspiração. Esse encontro, ao longo dos anos, foi muito importante para a fotografia brasileira e inspirou outras pessoas a organizarem seus próprios festivais, sendo o caso mais conhecido o do Foto em Pauta Tiradentes, criado pelo Eugênio Sávio. Quando o Mecarelli teve a ideia de abrir a Galeria Zoom em Paraty e fazer a primeira edição do festival em 2005, ele sonhava certamente com um evento maior. Mas acho que nunca passou pela cabeça dele a dimensão que isso ganharia. Tenho certeza de que o festival teve muita importância na vida de centenas de fotógrafos, profissionais ou entusiastas, e espero que a vigésima edição celebre isso. É importante pontuar que o Mecarelli, quando chegou a Paraty, não conhecia o fotógrafo português Orlando Azevedo, que, aliás, participou de várias edições do festival. Ressalto isso porque Orlando desempenhou também um papel significativo como agitador cultural em Curitiba, nos anos 1990, tendo sido diretor de Artes Visuais da Fundação Cultural da cidade e responsável pela criação da Bienal de Fotografia Cidade de Curitiba, em 1996, considerado o primeiro evento internacional de fotografia do Brasil. Não tinha o formato de um festival de fotografia, mas sim de um congresso. É importante deixar as coisas claras. O Paraty em Foco foi o primeiro festival de fotografia brasileiro e a Bienal de Curitiba, o primeiro evento internacional de fotografia no país..

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