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HOMENAGEADO PARATY EM FOCO 2024

 

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©Renato Amoroso
SEBASTIÃO SALGADO

Desde o início dos anos 1970, quando começa a fotografar, Sebastião Salgado (1944, Aimorés, MG) constrói sua linguagem dentro de um campo de compromissos éticos e políticos que o acompanham em seus posicionamentos e escolhas pessoais frente ao mundo de seu tempo e suas inúmeras contradições, violências e iniquidades.

Economista por formação, exilado na Europa com sua companheira Lélia Wanick durante a fase mais sanguinária da ditadura militar brasileira, atua como fotógrafo a partir de 1973, realizando desde projetos fotográficos menos conhecidos, mas não menos importantes, como sua extensa documentação da Revolução dos Cravos em abril de 1974 e das lutas pela independência das então ainda colônias portuguesas na África, material inédito mostrado pela primeira vez de forma mais ampla e estruturada em exposição em São Paulo neste ano em que se comemora o cinqüentenário do movimento que derrotou o fascismo em Portugal, como também sua documentação no Brasil e na América Latina nos anos seguintes, até os projetos mais recentes de grande envergadura e repercussão, como Gênesis e Amazônia, precedidos de incursões intensivas, prolongadas e extenuantes em temas e territórios percorridos extensivamente na construção de projetos de denúncia e reflexão em torno de temas de justiça social, como Êxodus e Trabalhadores, junto com a incisiva documentação realizada na África sobre a inaceitável fome no Sahel e o brutal etnocídio e genocídio em Ruanda nos anos 1980 e 1990, tragédias contemporâneas de um neocolonialismo geopolítico nefasto e predatório extensivamente documentadas por Salgado.

 

Esta tem sido a sua trajetória ao longo destes cinquenta anos de fotografia, cinco décadas que também transformaram radicalmente tanto o campo da informação e dos meios de comunicação, como o próprio alcance e protagonismo do terceiro setor com quem Salgado intensamente colaborou neste período de permanente comprometimento com a documentação e difusão das tragédias sociais, políticas e ambientais de nossos tempos, período também em que se transformou o próprio circuito das artes, em parte através da incorporação da fotografia e suas linguagens neste campo de criação e crítica, que se coloca e se projeta hoje no papel de importante protagonista na convergência das artes e da política, através do crescente avanço das práticas efetivas de inclusão e diversidade no campo cultural, social e identitário, onde a representação do outro dá lugar à voz própria e à auto-representação dos marginalizados e excluídos... 

Neste contexto de contínua transformação nas artes e na cultura, Salgado fez da proximidade, frontalidade, empatia, compaixão e engajamento os elementos estruturantes de sua aproximação política de temas sensíveis e perturbadores, em fortes imagens em preto e branco construídas através de elementos pictóricos descortinados e realçados pela luz existente, em escolhas que privilegiam um olhar desde sempre influenciado pelas experiências de contra-luz de sua infância e adolescência, sob a luz forte e dramática dos céus de sua terra natal em Minas Gerais no Brasil.

lNa sua relação com o outro, com os indivíduos retratados em seus diferentes projetos que denunciam as contradições de um sistema econômico e geopolítico global de exclusão, violência e exploração de boa parte das populações em diferentes países, suas imagens frontais dos olhares de jovens, mulheres, crianças e idosos, muitos no limite de suas forças e capacidade de resiliência e sobrevivência, tanto em retratos frontais e diretos como em imagens que incorporam os cenários e condições extremas a que estão submetidos, revelam aquilo que para o escritor David Levi Strauss (1953, Kansas, EUA) distingue o trabalho de Sebastião Salgado: - imagens que tem como ponto de partida o real engajamento do fotógrafo com as lutas de superação das grandes contradições do presente, através de registros construídos com empatia e respeito pelos retratados, em imagens que claramente demonstram que mesmo em condições extremas, como as de absoluta fome e privação causadas pelos processos contemporâneos de concentração de renda e capital e contínua exploração e depreciação dos recursos naturais e ambientais, a dignidade humana permanece nos olhares resilientes e muitas vezes desafiadores daqueles que retratou.

Que estas imagens tenham sido tomadas como eventual estetização da pobreza talvez revele mais das transformações por que vem passando  próprio campo da cultura e das artes ao longo destes cinqüenta anos, onde os processos de industrialização, urbanização e virtualização da vida em sociedade avançam de forma avassaladora sobre todos, influenciando fortemente a crítica, percepção e mesmo negação sobre particularmente aqueles que foram sempre objeto de atenção e empatia de Salgado, os deserdados da terra que em sua condição existencial, social e ambiental negam frontalmente as utopias desenvolvimentistas e/ou distopias fundamentalmente cosmopolitas da atualidade.

No ano em que comemora suas oito décadas de vida, receber e homenagear Sebastião Salgado na vigésima edição do Festival Paraty em Foco é para todos nós que vivemos e respiramos imagens em nossos cotidianos, uma oportunidade única de ouvi-lo sobre seus cinquenta anos de prática fotográfica no Brasil e no mundo. Bem vindo, Sebastião!

                                                        Sergio Burgi

                                                                 Coordenador de Fotografia

                                                                    Instituto Moreira Salles

https://www.instagram.com/sebastiaosalgadooficial/

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